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Se este livro é daqueles que dispensam apresentações, a verdade é que eu andei muito, muito distraído ao longo destes anos. Que posso fazer? Não sabia que era assim, certamente não teria deixado passar tanto tempo sem o ler.
O que eu não sabia é que este é um magnífico retrato do que foi a revolução russa. É um testemunho, é um documento, é um daqueles livros que não só contam a história, são parte da história.
Percorrendo os anos desde o início do século XX até aos anos 40, Pasternak envolve-nos numa história de pessoas que veem a sua vida mudar radicalmente devido aos acontecimentos políticos que se desenvolvem na Rússia. Entre sonhos, arrependimentos, remorsos, esperança, a revolução russa muda tudo e não muda nada daquilo a que se propunha. Há um desencanto neste livro que não é mais do que a força da realidade. O que é invulgar é a forma como estas páginas parecem tão vivas e tão assustadoras. Pasternak limita-se a contar, mas os seus personagens são tão fortes que quase sentimos as suas dores.
Vejamos um pouco:
Aquele período confirmava uma velha sentença: o homem é lobo do homem. Um viajante desviava-se do caminho ao ver outro viajante, um desconhecido matava outro desconhecido que encontrava, com receio de ser morto. Surgiam casos isolados de antropofagia. Acabaram-se as leis humanas de civilização, vigoravam as leis da selva. O homem sonhava os sonhos antigos da idade das cavernas.
O pior desta descrição é que ela não se refere ao período da revolução. Nem se refere à terrível guerra civil que se segui, opondo os exércitos branco e vermelho. Não, esta descrição surge depois já do final dessa guerra. Um sinal de que a Rússia que nasceu dali não ficou um lugar melhor. E, hoje, olhando para trás, para o que ainda viria depois da 2ª Guerra quase não podemos acreditar.
E como se não bastasse o poderoso retrato da história, a verdade é que ele funciona como suporte para nos dar a conhecer personagens incríveis. Desde os aristocratas até aos mais humildes trabalhadores, Pasternak não deixa ninguém de fora, pintando um quadro tão abrangente quanto possível dessa imensa Rússia e das mudanças incríveis a que foi sujeita neste período.
Ontem à noite vi o filme de David Lean. É notável a tentativa de passar um livro tão incrível para o cinema. E até me parece que está conseguido no essencial. Mas o livro é tão precioso que só mesmo lendo…
Este livro é, em grande parte, uma coleção de pérolas.
E. M. Forster - um dos autores da minha adolescência. Fico sempre com a impressão de que ele era mais querido do que capaz. Que era mais culto do que os seus livros mostram. Mas numa entrevista aparece a pessoa, o intelectual, e eu volto a ter saudades de o ler.
Graham Greene - pronto, tá bem… Parece-me um escritor menor no contexto deste livro. Parece-me também uma entrevista mais “técnica”. Nada que fique, mas nada que ofenda. Nunca li.
William Faulkner - talvez um dos escritores mais geniais do século XX. E nota-se que é qualquer coisa.
Truman Capote - Capote é Capote. Como pessoa é um bocado irritante, mas isso dá uma corzinha à entrevista…
Ernest Hemingway - não sabia que uma entrevista com ele pudesse ser tão interessante. Nunca tive grande simpatia pela pessoa, nem a escrita me convenceu ainda. Mas depois disto fiquei cheio de vontade de lhe dar mais uma ou duas oportunidades.
Lawrence Durrell - é o que menos conhecia e pareceu-me relativamente interessante. Poucos dias depois, nem de propósito, saíu uma nova edição do Quarteto de Alexandria. Talvez um dia…
Boris Pasternak - esta é mais a história de uma entrevista do que a entrevista propriamente dita. Mas é um dos momentos altos do livro.
Saul Bellow - Eu tenho mesmo que ler com urgência. Pareceu-me um dos entrevistados mais interessante em termos intelectuais.
Jorge Luis Borges - Claro que Borges é sempre uma figura incontornável. Tem um peso incrível. E sente-se isso.
Jack Kerouac - Achei uma nulidade. Vulgar e fútil. Mas o problema deve ser meu, que sou a única pessoa que conheço que não consegue ler o Pela Estrada Fora, apesar de já ter tentado mais que uma vez.
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