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Já falta pouco para a minha nova viagem à Grécia e, por isso, as leituras começam a centrar-se no tema. Depois de no ano passado ter finalmente lido a Ilíada, desta vez foi a Odisseia. Mas não foi uma leitura normal. Quer dizer, até foi, para os padrões do próprio Homero, terá sido. Quero com isto dizer que decidimos, cá em casa, ler a Odisseia em voz alta, tal como os antigos faziam, pelo menos antes de ela ser um livro. Durante várias noites, depois do jantar, lemos cada um dos cantos em voz alta para percebermos melhor o que era isso da tradição oral das histórias gregas. E devo dizer que, por um lado, tornou muito mais viva a experiência mas, por outro, colocou em evidência, de forma particularmente intensa, as limitações de uma tradução em verso de uma das obras fundadoras da literatura mundial.

Sobre a Odisseia não me atrevo a tecer comentários. É a maravilhosa história de Ulisses e é fantástico conhecer, em primeira mão, o grande herói da guerra de Tróia, bem como personagens que estão no nosso imaginário: Penélope, Atena, Zeus, Telémaco, Calipso, etc. O livro nunca é aborrecido e é, muitas vezes, verdadeiramente empolgante.

É incrível que só desde há poucos anos exista uma tradução em verso para português. No entanto, não deixo de perceber agora melhor porque é que ainda não tinha sido feita e porque é que tantas vezes se opta (tanto em português como noutras línguas) por traduzir em prosa. É que a verdade é que, apesar do trabalho notável de Frederico Lourenço, há passagens que traduzidas são.. pobres. A nossa língua não será provavelmente a que mais longe fica, em termos de riqueza, do grego antigo. Mas, ainda assim, fica pobre. Há repetições constantes que talvez  façam sentido em poesia no grego mas que não ficam bem em português. Um trabalho meritório, sem dúvida, mas que nos faz sentir ainda mais o quanto nos faz falta alguns conhecimentos de grego.

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Não posso deixar de escrever o título deste post sem me lembrar que passei a minha vida “literária” a arranjar razões para não ler este livro. Por exemplo: “Já li tanta coisa sobre ele que não vale a pena”, “Se já o conheço tão bem, não era melhor aproveitar para ler outros? Porque o tempo é escasso…”.

Estas razões nunca me concenceram completamente mas foram servindo para adiar o inevitável. E finalmente aconteceu. Claro que não posso deixar de me sentir estúpido por não ter lido antes um livro que é talvez o livro dos livros (deixando de lado razões religiosas que podem promover outros livros), um livro que, mais de 2500  anos depois de ter sido escrito, continua a ser lido e esmiuçado, um livro que contém a origem de muitas das histórias que estão mais enraizadas na nossa memória coletiva.

É claro que é uma maravilha absoluta. Também é verdade que pode ser chato. As descrições (horrosamente explícitas) das batalhas são longas e nem sempre fáceis de acompanhar. Mas, aconteça o que acontecer durante a leitura, pouco preparados ficamos para o os cantos XXII e XXIV. Este último, o canto final, é uma das maiores maravilhas da literatura. E que pena não o poder ler em grego, com toda a sua riqueza de significados.

Não há mais nada que possa dizer. Deixo apenas alguns momentos.  

 

Canto XXII, quando a mãe de Heitor lhe implora que não vá ao encontro de Aquiles:

 

A mãe lamentava-se, em pranto, com uma mão desnudou o colo, e segurou o seio com a outra; e derramando lágrimas disse estas palavras aladas:

- Heitor, meu filho, respeita este seio e compadece-te de mim. Se alguma vez te ofereci o seio que cala o choro, recorda-o agora, meu filho. Repele esse inimigo do interior dos muros, não saias ao seu encontro! (…)

p.328

 

Canto XXIV, quando o digníssimo Príamo vai ao encontro de Aquiles para lhe pedir que restitua o corpo do seu fiho Heitor à família e a Tróia:

 

(…)Sem ser visto, o grande Príamo entrou e, aproximando-se, abraçou os joelhos de Aquiles e beijou as suas terríveis mãos homicidas, que tantos filhos lhe haviam morto.

(…)

Respeita os deuses, Aquiles, e apiedai-te de mim, em memória de teu pai; sou ainda mais digno de dó, pois tive a coragem de fazer o que não fez ainda humano algum sobre a terra: levar à minha boca a mão do matador de meu filho.

p.369

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