É difícil pôr em ordem as ideias sobre este livro. Vou tentar em tópicos:
- Não é fácil entrar na vida deste Eduardo, um rapaz que lia Rimbaud e que, provavelmente, para além disso não fez mais nada de interessante na vida. E é a falta de interesse desta existência que a torna cativante enquanto objeto de atenção literária.
- O autor, que eu desconhecia em absoluto, compõe um retrato sem concessões do que é o abismo de um Eduardo mal tratado quando criança que não se liberta, nem quer libertar-se, acho eu .
- Uma leitura terrível, devo dizer… Muito bem conseguido em termos de linguuagem mas cruel, desconfortável, duro. Um livro indigesto mas que é uma obra a considerar quando se quer pensar um pouco naquilo que alguns de nós deixam de ser. Ou aquilo em que nos podemos transformar quando abdicamos de uma certa diginidade.
- É um livro ótimo para ouvir The Cure. Coloque-se a tocar Watching Me Fall e, a partir daí, ouça-se a Trilogia toda.
- É pena é que eu não possa sentir grande pena do Eduardo. Apesar de um final arrepiante e poderoso, a verdade é que estou-me bastante nas tintas para ele. Um rapaz que, apesar de ler Rimbaud, se deixou transformar numa sombra. Não por opção mas por resignação niilista, não porque os pais o tenham maltratado mas porque, quando se livrou deles, se revelou o pouco que ele era.
- As personagens para além do Eduardo parecem ter apenas uma dimensão - sexo. O que é pouco, num livro deste tipo.
- O autor diz que só assim entende a literatura. Que choca, que inquieta, que altera (entrevista http://ipsilon.publico.pt/livros/entrevista.aspx?id=306386 ). Concordo, especialmente quando altera. Mas não é o caso, aqui choca, o que não é necessariamente bom, e não é sempre bom. Também inquieta, o que é um bocadinho melhor porque a inquietação é, muitas vezes, o antídoto do niilismo. Mas não me parece que algo mude. Isso é para outros livros. Este é só mais um, nessa longa história de livros que saltam constantemente entre a linha que separa o que é muito bom e muito válido, e aquilo que é mais vistoso do que concreto.
Enfim, é uma leitura.
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In O Rapaz que Lia Rimbaud, de Manuel António Araújo, pp. 102-3
E pensou. Pensou no fascínio dos suicidas, nas pontes, nos viadutos, nunca pensou no mar, nem no rio, não pensou nas mortes calmas, nas mortes em que é preciso caminhar para se morrer; nunca se mataria como Virginia Woolf.
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