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Nesta coisa de escrever as minhas impressões sobre as leituras que vou fazendo, há um exercício que acho particularmente interessante - o da objetividade. Não pretendo ser um exemplo, faço-o para mim próprio. Não gosto de julgar de uma forma completamente subjetiva e quando o faço, e faço-o muitas vezes, costumo assinalá-lo. Ou seja, quando digo que não gostei só “porque sim” (e acontece muito porque é absolutamente natural) costumo dizer que é o caso.
Este livros provoca-me alguns problemas a esse nível. Não posso dizer que gostei. Mas como é que se pode não gostar de um livro que se leu num ápice? Comecei num dia e acabei no dia seguinte, apenas lhe peguei essas duas vezes. Não me aborreceu, ri-me várias vezes, passei umas boas horas. Mas quando chego à parte de apreciá-lo de forma mais completa, quando tento escrever as minhas impressões sobre ele, fico cheio de dúvidas.
O meu principal problema é a forma como o tema me toca. O período nazi e da segunda Guerra Mundial é um tema recorrente das minhas leituras, dos meus filmes, das minhas reflexões. E, por isso, não poderia deixar de ficar curioso com esta história em que se escreve sobre o regresso de Hitler. Mas o regresso literal, ou seja, de repente, num belo dia do nosso tempo, Hitler acorda e está novamente aí. O que é que se espera de uma coisa destas? Bom, em primeiro lugar, talvez uma explicação. Mas não há. O autor não nos ilude e torna bem claro que isto aconteceu e pronto, ou se aceita ou não. Eu aceitei e, portanto, não é rigor que espero, mas que essa ficção sirva para um propósito maior. Depois deste início em que Hitler acorda vamos acompanhá-lo na sua descoberta da Alemanha dos nossos dias. E vamos ver também como é que as pessoas reagem a este acontecimento. Claro que ninguém acredita que ele seja o verdadeiro Hitler, apenas acham que é um ator particularmente parecido e muito rigoroso no seu papel. Pronto, quem quiser um livro sobre isto pode então ir ler. É divertido ver Hitler a interagir com o telecomando da televisão ou a tornar-se uma celebridade no youtube. Mas esse não era o livro que eu esperava. Na verdade, aquilo que eu esperava não é relevante para o que o livro é, portanto: veredito um - enquanto livro de entretenimento, sobre alguém do passado que acorda no futuro, está giro. Fraquinho mas giro. Há imensas coisas assim na ficção, nada de muito original.
A outra leitura, a que eu esperava encontrar e está lá latente, é ainda menos desenvolvida. Refiro-me à reflexão sobre o regresso das ideias de Hitler no contexto atual. E é aí que os meu problemas com este livro começam. É que não se pode falar de um ressurgimento, hoje, dessas ideias. Elas não voltaram porque infelizmente têm estado sempre por aí. Ganham protagonismo recorrentemente. É assustador mas é verdade que estão sempre latentes, e ganham sempre mais adeptos em alturas difícieis como a que atravessamos. Eu esperava alguma reflexão sobre isso mas a verdade é que, nesse particular, construir a fantasia do regresso de Hitler, acaba por enfraquecer qualquer possibilidade de tratar o tema de forma relevante. O próprio livro reflete sobre o humor e os seus limites, mas parece-me que o que ele faz não é tanto usar o humor, é usar a fantasia, a qual enfraquece as possibilidades do humor. Portanto: veredito dois - enquanto reflexão sobre as fronteiras e possibilidades do humor no tratamento de temas fundamentais, é uma desilusão.
Mas há outro problema pessoal. É que o tema do regresso de Hitler já o vi tratado de forma magistral no filme A Onda. Aí um professor desafia os alunos que acham que seria impossível o regresso de um regime totalitário à Alemanha. Cedo se começa a ver que, afinal, não seria assim tão difícil. Para além de ser parcialmente uma história verdadeira, A Onda mostra como a manipulação mais primária e os sentimentos mais vis têm um caminho a percorrer e muita gente para aplaudir de pé. Por isso, não me revejo na fantasia de Hitler acordar hoje e divertir-me a ver como ele se adaptaria. Pelo contrário, sofro sempre por ver que ele ainda está demasiado vivo.
Posto isto, este livro tem tudo para agradar a muita gente. Eu tenho razões muito pessoais para o odiar. Mas, ainda assim, gostei de o ter lido. Em que ficamos? Não sei. Se o lerem, digam coisas. Mas, já agora, porque não ver o filme de Dennis Gansel?
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