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Acabei de saber que morreu Guilherme de Melo. Há anos que não o sabia nada dele mas, curiosamente, ainda hoje tinha estado a falar dele. Os seus livros marcaram a minha adolescência. Lembro-me de ter devorado O Que Houver de Morrer, tendo ficado toda a noite a ler. Lembro-me de lhe ter escrito, embora nunca tenha enviado a carta. Lembro-me da sua coragem, a qual era maior e melhor que os livros, sem dúvida, mas que os tornava muitissímo respeitáveis. A Sombra dos Dias, uma biografia, é um exemplo de coragem espantoso. Pode não ser uma perda que se vá notar na literatura portuguesa mas é uma perda que sinto pessoalmente.

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Há uns tempos, ao escrever aqui sobre Atenas, referi Paestum e até disse que devia escrever sobre isso. Hoje decidi fazê-lo (o comentário que o Miguel deixou na altura teve a sua influência).

Em primeiro lugar, deixem-me dizer que foi uma sorte. Estava a jantar em Pompeia e, como sempre, aproveita-se a refeição para pegar no guia e pensar um bocado no dia seguinte. De Pompeia iria para Taranto, bastante longe, acabaria por ser um dia na estrada (e ainda queria fazer o passeio panorâmico da Costa de Amalfi). Mas, ao olhar para o guia, deparei-me com uns templos lindíssimos e fiquei a saber que, mais ou menos a caminho, poderia dar um salto a Paestum.

 

Paestum começou por se chamar Posidónia (de Poseido, ou Posídon, o deus do mar - Neptuno para os romanos). A cidade foi fundada pelos gregos no século VII a.c. Devo notar, aliás, que o meu destino final, Taranto, foi a primeira colónia grega de sempre. No entanto, não encontrei por lá grande coisa, se bem que também não fiz muito mais do que lá dormir e jantar (claro que o jantar foi memorável mas, em Itália, há poucos jantares que não o sejam).

O que é notável em Paestum é o estado de conservação dos templos. Devem ser, em alguns livros já vi escrito que sim, os mais bens conservados do que foi a Magna Grécia. Fazem parte do Património da Humanidade e, curiosamente, quase nada de interessante há para ver dos que era a cidade mas os templos ficaram e impressionam.

Algumas fotos dos templos:

 

 

 

 

Acabaram por ser cento e tal quilómetros de desvio. Ainda por cima, o passeio por Amalfi é tão deslumbrante que demorou mais do que o previsto. Consequência: cheguei a Taranto tardíssimo e só deu para ter o tal jantar e dormir. Mas poucas vezes numa viagem um desvio valeu tanto a pena.

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O texto que se segue é, em grande medida a continuação de um outro:
http://pedrices.blogs.sapo.pt/78447.html
No entanto, devo avisar, que este texto, à semelhança do outro, não é bem sobre o livro, é sobre a minha relação com ele. Apesar de este tratar da releitura que fiz, é altamente desaconselhável a quem não tenha lido o livro e, em particular, a quem não conheça o seu desfecho.

 

 

Se podes olhar, vê.
Se podes ver, repara.

 

E depois do regresso ao Ensaio, que faço eu diante da página em branco? Ironicamente, e de forma totalmente inconsciente, só me apercebi disso ao escrever a primeira frase: utilizo um programa de texto que, para evitar distrações na escrita, me preenche totalmente o ecrã com essa cor da cegueira que atingiu misteriosamente os personagens do livro. Mas adiante, há, afinal, quem nunca cegue, e há também que, nunca tendo cegado, jamais chegue a ver. Este livro é sobre isso. Chamasse-se Ensaio sobre a humanidade e não estaria menos adequado. Chamasse-se Ensaio sobre a desumanidade e, quem sabe, estaria ainda melhor entregue o título. Mas Saramago não é tanto subtil como certeiro e, por isso, sendo o livro sobre homens e mulheres que ficam cegos, assim se chama. Ensaio porquê? Talvez porque o pior fica por acontecer. Talvez o pior ainda esteja por escrever, tenha ficado fora da descrição porque dizer o que se disse no Ensaio devia ser suficiente para se saber o que poderia vir a seguir, dispensando-se o autor de o contar. Digo isto porque também isto é dito, de certa forma, num dado momento, em que se lê "(...) se uma pessoa mata outra, por exemplo, seria melhor enunciá-lo assim, simplesmente, e confiar que o horror do ato, só por si, fosse tão chocante que nos dispensasse de dizer que foi horrível". Para mim, este é o ponto de viragem da minha relação com este livro. O livro da minha vida tornou-se a releitura da minha vida. Nada do que tinha vivido da primeira vez me desiludiu, continua lá tudo, apenas eu sou outra pessoa. Ler o Ensaio sempre foi pensar no que nele acontece, na irreprimível sensação de que tudo aquilo é humano e desumano, assustadoramente plausível e tão verdadeiro como só a ficção que vai ao âmago daquilo que somos pode descrever. Reler o Ensaio é, agora, pensar no que nele não acontece, no que aconteceria no dia seguinte. E se dentro destas páginas sempre estiveram tantas questões tão importantes, só agora vejo que o que já não está é ainda maior. Depois de a ignomínia se instalar num mundo de cegos há que imaginar o mundo quando os cegos voltam a ver. Imagino as festas, os abraços espontâneos, as festas de arromba, os espírito de entreajuda e felicidade no limpar das ruas, a felicidade dos reencontros, as histórias de amor que passam a ver o objeto das suas afeições. A felicidade instalar-se-ia. Porém, e depois? Em breve, as pessoas quereriam voltar às suas casas e muitos não o permitiriam por as terem usurpado, a busca por comida, as pilhagens agora guiadas por olhos mais famintos do que os estômagos cegos de antes, seriam ainda mais selvagens, a utilização de armas voltaria a ser possível, matar para ganhar vantagem passaria a ser a opção mais eficaz na busca do proveito individual. Tudo o que se seguisse não estaria marcado pelo desespero, estaria marcado pelo oportunismo pelo egoísmo, pelo que de mais abjeto a natureza humana tem. Pode não ser só nos maus momentos que ela se revela, é, infelizmente, também nos bons.
Mas em vez de escrever sobre o que não está no livro, não deveria eu escrever sobre o que está? Talvez lá chegue mais tarde. Acabei de o ler e, por isso, estou perturbado, como não podia deixar de estar. Acabei de o ler e, por isso, não é sobre a estética ou a arte literária que me apetece pensar, também o podia fazer, mas para isso há livros melhores. Este é um livro para pensar. E cada um de nós pode encontrar lá coisas diferentes, pode até não encontrar nada, pode até não gostar. Tudo isso faz parte desta coisa louca e fascinante que é a nossa diversidade. Mas o outro lado, a nossa natureza mais obscura está lá, e é sobre isso que me apetece pensar, por mais idiota que me pareça a utilização da palavra "apetece". E penso que ao longo da história da humanidade já houve muitos momentos assim. O holocausto, que quase toda a gente conhece; o outro holocausto, o dos campos de igual extermínio, perpetrado por Estaline, o que, aqui deste lado, poucos parecem conhecer. Limito-me a aos mais perto de nós, mas o mundo está cheio de exemplos. E, no entanto, o que fizemos com isso? Primeiro festejámos a libertação para depois, pouco a pouco, irmos colocando em museus as memórias incómodas (e já é bom que isso tenha sido feito, porque em grande parte dos casos nem sequer há o reconhecimento, o assumir das responsabilidades). Agora vamos esquecendo e retrocendendo. Impressiona-me no mundo de hoje a falta de um projeto comum, de alguma vontade de avançar em conjunto. Por um lado, vejo gente que toma decisões de régua e esquadro sem medir as consequências práticas na vida das pessoas, causando sofrimentos injustificados e inaceitáveis. Por outro, vejo pessoas tão agarradas aos seus confortos que não abdicam deles por nada, não são capazes de fazer um sacrifício para que, posteriormente, possamos todos viver um pouco melhor. Cegos de um lado, cegos do outro. Todos conseguem olhar, mas nenhum vê, quanto mais reparar.
Pessimista? Não, não sou. Apenas vejo um mundo cheio de coisas boas e cheio de coisas más. E como detesto as más!
Pronto, sou capaz de ter chegado àquele momento em que pouco escrevi sobre o livro que li mas também pouco escrevi sobre o que sinto porque o turbilhão daria para muito mais, mas apetece-me, e agora uso a palavra sem receio, descansar. Afinal, acaba por não ser novamente a melhor palavra: descansar, sim, mas não é porque me apetece, é porque preciso.

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Over time, the persona I assumed in her presence came to supplant my true sellf. It must have been then I first came to realize that most people life was not a joy to be embraced with a full heart but a miserable charade to be endured with a false smile, a narrow path of lies, punishment, and repression.

 

Orhan Pamuk in The Museum of Innocence, pp. 275

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Foz Côa

21.06.13

A vida, pelo menos a minha, é feita de viagens permanentemente adiadas. Pelo meio, há as que são feitas. Mas as viagens são como os livros: tantos destinos, tão pouco tempo. Também são como os livros porque se encavalitam umas por cima das outras para serem a próxima escolha. Também as prioridades mudam constantemente, também uma pode afetar as escolhas consolidadas de há muito e pôr tudo em causa.

Visitar as gravuras de Foz Coa tem sido uma dessas viagens sempre adiadas. E esta tem menos desculpa que as outras. É perto. Até já vivi bem mais perto de lá do que agora. Mas só há uns dias lá fui. Parace que em boa altura porque assim pude ver o Museu e fazer uma visita guiada em que se vai de jipe (pelo que me contaram as pessoas que lá foram, há uns anos não era assim).

O primeiro passo foi, portanto, visitar o Museu do Côa, magnífico exemplo de arquitetura que se integra no espaço, pelo menos quando estamos junto a ele. De longe, é capaz de não agradar a todos. Mas, adiante, nem tudo pode ser como o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos (Faial, Açores), o qual foi “enterrado” debaixo das cinzas do vulcão que tenta explicar, ficando assim como que invisível.

 

 

Alguns pontos expositivos merecem destaque:

                - a apresentação de vestígios em torres de vidros que funcionam como “camadas cronológicas”

                - os desenhos técnicos em luz, permitem-nos ter uma noção mais precisa das figuras, facilitando imenso a tarefa de as identificar posteriormente nas pedras

                - as pedras que se podem ver com lupas enormes

                - a simpatia de um funcionário que veio ter connosco e se pôs a fazer-nos quase uma visita guiada, o que a tornou muito mais interessante

 

Depois de ver o Museu a vontade de ver as gravuras aumenta, claro. Mas não é logo ali, nem logo a seguir. Para se ver as gravuras é precisar sair do museu e percorrer alguns quilómetros, até chegar a um ponto de encontro na aldeia de Castelo Melhor. É daí que se vai de jipe para o local onde estão algumas gravuras. Pelo que percebi há três visitas que se podem fazer. A minha foi a das 16h à Penascosa. Há também uma visita noturna. Fiquei a saber que os estudiosos analisam as gravuras à noite, com os holofotes a incidir nelas parece que é a melhor forma de ver.

O que é fascinante nestas gravuras é que, na verdade, à primeira vista elas são apenas os tais rabiscos. Mas, com a ajuda da guia, e com o que aprendemos no museu, foi possível começar a ver os traços distintivos de algumas figuras. Não se sabe bem porquê mas os desenhos eram feitos uns a partir dos outros. A mesma linha pode servir de base a um cavalo de um lado e outro do outro.

A nossa guia, com uma vara, ia-nos mostrando os contornos das figuras. Era como que uma varinha mágica que, passando à frente da pedra, ia fazendo com que as figuras surgissem perante nós. O sentimento de começar, finalmente, a vislumbrar qualquer coisa é quase infantil. E tem o seu quê de emocionante.

O problema disto é que quero mais. Não é só em Foz Côa que muito ficou por ver. Uma nova viagem se anuncia ou, pelo menos, uma nova intenção: fazer um dia a rota das figuras rupestres Côa - Altamira - Lascaux - Chauvet. Espero um dia escrever um post sobre isso, significará que o fiz.

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Este livro supreendeu-me a vários níveis. Vi-o uma vez na Fnac, numa promoção, e interessei-me por estar relacionado com a Grécia (mais concretamente porque a ação passa por Creta). Mas tive dúvidas e nunca cheguei a comprá-lo. Ao ler a contra capa, apesar de interessante, desconfiei que tinha tudo para não correr bem. Ou o escritor era mesmo bom ou então podia resvalar. Como nunca tinha lido Durrell, deixei andar. Claro que conheço o Quarteto de Alexandria mas tenho-me acobardado por causa do tamanho (gosto muito de livros grandes, mas o tempo escasseia e, por isso, às vezes esse critério impõe-se, por mais idiota que seja).

Na última ida à biblioteca, lá resolvi trazê-lo. E fiz bem. No início, o livro parece uma coisa de Agatha Christie, um mistério qualquer sobre umas pessoas que se perderam num labirinto em Creta. Depois, vamos atravessando páginas e páginas de uma escrita sólida e elegante. Durrell apresenta-nos os personagens tranquilamente, sem pressas e sem concessões. A sensação é de que os ficamos a conhecer bastante bem (para um livro desta dimensão, claro). Depois disso, então sim, vem a parte da história em que eles vão para o labirinto e se perdem. O que acontece lá dentro (ou saindo de lá) fica um segredo só entre aqueles que lerem este livro. Eu não conto, mas fiquei encantado.

Depois disto já não há dúvida. Vou ter que ler o Quarteto. Porque se Durrell escreve assim num livro pequeno, imagino o que não fará nesse em que a mesma história, pelo que sei, é vista de quatro pontos de vista (que correspondem aos quatro livros que compõem o conjunto).

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...

18.06.13

Há 3 anos e um dia gostava de ter escrito esta frase:

 

No dia seguinte ninguém morreu.


in As Intermitências da Morte, de Saramago.

 

E gostava que tivesse sido verdade.

 

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Em pausa

14.06.13

Eu sei que não escrevo nada há uns dias, mas é por um bom motivo: Férias. Não "as" férias de que falei no post anterior mas uma pequena pausa, da qual não deixarei de dar conta de forma mais completa. Para já, um aperitivo:

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Se eu disser que é desta que leio um certo livro do Glenway Wescott, um qualquer do Nikos Kazantzakis, e terrmino o Suetónio, fica muito óbvio o meu próximo destino de férias?

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Ontem morreu Tom Sharpe que me fez passar várias horas a rir com os seus livros da saga Wilt.

 

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