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Este texto conta o final do livro – não é aconselhável a quem ainda não leu.
 
Quando se lê um livro destes, a única coisa que está errada é sempre não o termos lido antes. É quando se lê um clássico que se percebe porque é que ele o é. Há tanta vida numa obra como esta que quase nos perguntamos como pode isto ser ficção. Anna Karenina é uma personagem extraordinária da literatura. E, no entanto, ao ler-se, nada de particularmente grandioso parece estar a acontecer. Até que nos apercebemos que é como na vida - tudo tem consequências, e o que pode acontecer, acontece mesmo. Mas isso é vulgar, é o que se passa em todos os livros, podem dizer-me. E sim, é verdade. Mas aqui há um pouco mais do que isso. Há livros que vivem atrás da história que contam, que vivem para ela, que se organizam em função de um efeito, de uma ação. Aqui, sinto-o, é diferente. Este livro está tão cheio de vida, tão cheio de realidade que aquilo que nele acontece ultrapassa a ficção. 
Tenho por aí uns posts onde falo de Tolstoi e de como ainda não li nada dele que me fizesse perceber o quão grande ele é. Talvez eu seja injusto em relação ao Ivan Illich, talvez me falte perspetiva histórica. Mas este é indiscutivelmente um desses grandes, enormes, livros, que só um grande, enorme, escritor pode escrever.
A parte chata disto é que se calhar não vou mesmo poder escapar a um dia pegar nos quatro grandes… enormes… volumes do Guerra e Paz.
 
Mas, voltando a Anna Karenina, o que faz desta obra, afinal, algo de tão especial? Pois não sei, claro que não sei. Apenas posso dizer que são muitas coisas. E claro que são necessariamente muitas coisas que podem ser muito diferentes  daquilo que interessa a outros leitores. Por isso, o que se segue é uma visão pessoal, que se demite de querer ser exaustiva e completa.
 
Começo por dizer que Anna Karenina é um caso de destruição da personagem. No início, ela aparece como a grande amiga, a mulher inteligente e cheia de iniciativa, a confidente, a mãe competente, enfim, uma mulher que todos gostaríamos de conhecer. Depois, à medida que os acontecimentos se vão desenvolvendo, Anna vai-se tornando mais vulgar, talvez até um pouco desprezível.
O grande acontecimento na vida de Anna é o facto de se apaixonar terrivelmente por Vronski. A paixão é de tal forma intensa que o próprio filho é relegado para segundo plano. E este é um dos pontos mais impressionantes, a mãe extremosa, a mulher exemplar, é capaz de abdicar do seu próprio filho. Quem pode olhar para uma mulher coma a mesma admiração depois disto? E é aqui que este romance começa a ser tão extrordinário, porque não invectiva contra Anna, apenas descreve, mas fazendo o leitor tomar consciência dos pensamentos de Anna, vai perturbando de forma decisiva. Anna viaja, ganha uma vida nova junto do seu companheiro. Num momento de fraqueza revê o filho, pede para o ver ainda mais uma vez. De mulher decidida, forte e apaixonante, torna-se descontrolada e neurótica.
 
O que mais me impressionou na história de Anna acabou por ser o seu desfecho. E impressionou-me mais porque eu já sabia o que iria acontecer. Passo a vida a tentar evitar saber demais sobre o que ainda não vi ou li mas, por um grande azar, li, num outro livro qualquer, uma alusão ao facto – atenção, vou contar - de Anna se suicidar, atirando-se para baixo de um comboio. Li todo o livro sabendo disto, e incomodado por saber. Mas nunca consegui prever quando aconteceria. Mesmo quando ela estava na estação, e eu sabia que teria que ser ali, continuava a não perceber porquê. Até que, aconteceu, Anna Karenina saíu do papel e, à minha frente, tornou-se humana, tão humana que cometeu um ato de loucura, tão incoerente e precipitado como só alguém de carne e osso poderia cometer. E, no entanto, eu sei que é só um livro. Mas é nisso que Tolstoi mais me impressionou, nessa capacidade de fazer os personagens “saltarem” para fora do livro.
 
 
Mas Anna Karenina não é um romance apenas sobre Anna. Talvez até seja menos sobre ela do que sobre Lievin, o outro grande protagnista da obra. Na verdade, os dois praticamente não se cruzam e as suas histórias vão sendo contadas em paralelo. Lievin é o personagem mais complexo e mais estimulante, do ponto de vista intelectual, que podemos encontrar neste romance. Lievin leva-nos a conhecer uma envolvente história de amor, a do seu percurso desde se apaixonar por Kitty e ser rejeitado por ela (curiosamente porque Kittty tinha a expetativa de se vir a tornar mulher daquele que iria ser o amante de Anna), até ao casamento e a forma como este vai evoluindo.
 
Lievin é alguém que faz um verdadeiro “percurso” ao longo da obra. A sua busca existencial, os seus debates consigo próprio e com terceiros, a suas dúvidas e angústias, a forma como o que lhe acontece na vida se reflete na forma como pensa, tudo isto torna Lievin o personagem mais “vivo” que já tive a oportunidade de “conhecer”. Debatendo-se com o sentido da vida, Lievin refete sobre o que viria a ser o ideário comunista ou socialista, sobre a fé e/ou a ciência,  e podia ser qualquer um de nós a pensar sobre os mesmos assuntos. Mas particularmente interessante é que Lievin consegueefetivamente chegar a conclusões e evoluir no seu pensamento, não sem ter que se confrontar com a indiferença dos outros, a vida real, em toda a sua intensidade, não dá tréguas a estes personagens.
 
O encontro entre Lievin e Anna acaba por acontecer. E é um dos grandes momentos do livro. Anna volta a ser fascinante e Lievin volta a ter em que pensar. A grandeza que certas pessoas deixam à sua passagem talvez nunca deixe de brilhar. A partir deste enconto, a história poderia evoluir em várias direções, parece que tudo pode acontecer, mas, afinal, tudo prossegue sem grandes novidades. Mais uma vez, tal como na vida.
 
Enfim, não é fácil dizer que este livro deve ser lido, que é altamente aconselhável. Nada disso. Este livro é simplesmente imprescindível.

 

P.S. Não posso deixar de dizer que li a tradução de José Saramago. Exemplar, pois claro.

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Há livros que valem pelo seu conteúdo, por aquilo que contam. Em alguns casos, isso é tão notório que uma avaliação mais objetiva se torna difícil. Difícil também, é falar deste livro sem contar a história, por isso, a leitura do que se segue, não é aconselhável a quem não leu o livro.
 
O Longo Inverno conta a história de uma família que é presa pelos soviéticos e levada para um campo de trabalho – a versão estalinista dos campos de concentração. Tudo começa quando esta família está em casa e a polícia chega para os levar. Assim, brutal e inesperadamente, a vida daquelas pessoas transforma-se num verdadeiro inferno – mas bem frio.
 
Quando os pressupostos são estes, não se pode esperar menos do que um murro no estômago. E é isso que Ruta Sepetys nos dá. Uma descrição simples da viagem de comboio que vai levar estas pessoas a percorrer milhares de quilómetros de comboio, em condições indignas e sub-humanas, sujeitas à brutalidade dos soldados e às vicissitudes da natureza, sujeitas à morte, para acabarem a trabalhar em condições tão cruéis, desumanas e degradantes que dá vontade de pedir que tudo não passe de ficção. E tudo não passa de ficção. No entanto, a plausibilidade desta história é assustadora. Aquilo que não foi assim pode ter sido bem pior. O que fica por contar é certamente pior do que o que fica contado.
 
A autora não vai tão longe como, por exemplo, se vai num livro tão brutal como As Benevolentes. Ainda assim, não precisamos de muito para perceber o horror que Ruta Sepety não quer que seja esquecido.
 
Não há aqui uma grande construção literária. Nem sei se isso interessa. A escrita segue uma linha de simplicidade que não destoa daquilo que quer contar, pelo contrário, o que é dito parece não precisar de mais nada para ser forte. Por isso, aqui e ali, há uma tentiva de criar frases de belo efeito, o que nem sempre sendo conseguido, não prejudica a leitura. 
As personagens acabm por ser tratadas de forma simplista, e não há grande profundidade de análise. Pouco importa, este é um livro que devia ser lido precisamente pela mesma razão que foi escrito: para que este horror não seja esquecido.
 
Claro que se nos lembrarmos de outras obras, e vou só dizer Primo Levi, esta se torna um pouco menos relevante. Mas há um ponto que talvez valha a pena lembrar: a experiência do horror é sempre pensada em termos daquilo que os nazis fizeram, não tanto do terror estalisnista, e muito menos sobre os povos dos países bálticos. Assim, talvez a Lituânia mereça ser mais lembrada, e para isso serve este livro. Isso é particularmente bem mostrado quando estas vítimas de Estaline ficam felizes por saber que as tropas nazis estão a fazer avanços. Quando o mal parece bom, a que ponto chegámos? Não digo que não haja muito mais livros com esta perspetiva, mas quantos acessíveis em português?
 
Uma nota para o título. Em inglês chama-se Between Shades of Gray e o que deveria estar na capa da edição portuguesa era a intenção do autor, não a opção discutível da editora. (este texto foi corrigido - ver comentários).

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Não vou dizer grande coisa sobre isto. Mas é justo que assinale aqui o fim da saga das brumas. Anda por aí um post sobre quando li o primeiro livro e, por isso, aqui fica este para assinalar que acabei o quarto. Gostei de ler. Embora me tenha perdido mais do que uma vez nas teias destas histórias. A partir do terceiro volume tudo se tornou muito melhor, mais empolgante, com mais ação.
 
Claro que devia ter lido isto aos 16…

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