É fácil que um livro com um tema destes seja fascinante. Trata-se de abordar uma tradição albanesa, o Kanun, que é uma espécie de código de conduta centenário, responsável por gerir relações sociais, nomeadamente as dívidas de sangue. Por isso, logo no início deste Abril Despedaçado assistimos a um homem que mata outro porque… bom, porque é assim…
De facto, o Kanun prevê que alguém da família X mata um membro da família Y e, por isso, a família Y tem o direito de matar alguém da família X. E assim por diante, sem parar, as vinganças vão-se sucedendo ao longo de gerações.
Abril Despedaçado aborda esta temática e fá-lo pela pena de um grande escritor. Kadaré não só cria uma obra fascinante pelo tema mas também pela sua escrita.
Todos os absurdos deste Kanun são explorados e descritos com um olhar envolvente e peculiar. A forma como Kadaré pega na história torna-a ainda mais interessante. Apenas o final parece estar mais concentrado em provocar um efeito no leitor do que em ser fiel ao resto da obra.
É difícil escrever sobre este livro sem entrar em pormenores sobre o que nele se passa. No entanto, neste, mais do que nunca, é essencial ler sem saber o que vai acontecer, tal é a surpresa que provoca a revelação constante daquilo que o Kanun leva as pessoas a fazer.
A cegueira da tradição encontra aqui um dos seus mais acutilantes exemplos. A necessidade de saber parar grita mas não é ouvida. E treme-se de medo ao pensar: ainda hoje o Kanun existe. E nem sempre é só na Albânia…
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