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2009

04.01.10

 

De 88 livros que li este ano (nem todos tiveram post), fica o balanço/destaque. Omeu 2009 em livros foi assim:

 

Gente Feliz com Lágrimas, de João de Melo

 

Continuo a pensar neste livro, de como me sentia feliz por estar a lê-lo. É raro e é bom.

 

O que diz Molero, de Dinis Machado

 

Aqui não se trata de sentir felicidade, é mesmo de rir às gargalhadas. Uma grande descoberta.

 

A Estrada, de Cormac McCarthy

 

Não é tanto o livro, é mais a escrita. Tão seca, brutal e contundente. Um autor a explorar mais, talvez já em 2010.

 

A Ponte sobre o Drina, de Ivo Andric

 

Outro que não me sai da cabeça. Um dos melhores livros que li. Só pode ter sido o melhor do ano.

 

Abril Despedaçado, de Ismail Kadaré

 

A descoberta de um grande escritor, confirmei-o depois com o Palácio dos Sonhos. Mas este Abril… o que mostra não é deste mundo. Ou é, e não se acredita.

 

A Portuguesa e Outras Novelas, de Robert Musil

 

Ainda não foi desta que li O Homem sem Qualidades. Não faz mal, enquanto houver Musil para ler, eu estou bem. Não que seja agradável, não que seja fácil. Mas porque há ali qualquer coisa, como estas histórias demonstram, que sai do que é normal conseguir meter-se nas páginas de um livro.

 

 

 

 

Para além dos livros, há autores que também li mas dos quais não me apetece destacar nenhuma obra em particular. Valem por si, basta que escrevam, eu quero ler: Pamuk, Coetzee e George Steiner.

 

E, finalmente, Saramago. Talvez só ele pudesse encontrar as palavras para explicar o que sinto quando leio os seus livros.

 

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As saudades que tinha de Musil! Foi uma das minhas descobertas literárias mais surpreendentes do ano passado (é ver o post) e, desde então, que andava para voltar a ler um livro seu. Ainda não foi desta que me lancei no Homem sem Qualidades mas lá chegarei…
 
Na primeira parte do livro, sob o título Três Mulheres, encontramos três novelas, sendo que a primeira destas, a lembrar Kafka, leva-nos para um Musil que escreve terrivelmente bem. E é terrível porque provoca desconforto, não é fácil acompanhar esta história bizarra que envolve o adultério.
 
Já a novela A Portuguesa, também bizarra, acaba por ser a menos interessante. Apesar disso, todo o brilhantismo da escrita de Musil está presente.
 
No entanto, na terceira, Tonka, tudo aquilo que Musil parece ser capaz de fazer, se revela. Não tenho memória de alguma vez ter lido uma narrativa curta tão boa quanto esta. Trata de uma história de amor, narrada de forma a fazer emergir os binómios inultrapassáveis que estão presentes em qualquer relação: acreditar/não acreditar, confiar/desconfiar, amar/odiar, etc. Para além disso, leva a dúvida até ao absurdo, até ao ponto em que o impossível passa a ser plausível pela força de acreditar. Mas, no fundo, ninguém acredita no impossível, embora se consiga viver acreditando que sim, que se acredita… Musil é um observador atento e implacável. Não perde tempo a florear, a detalhar. De repente, numa frase curta e afiada, explica tudo sem nos poupar.
 
O segundo conjunto de novelas tem o título União – Duas narrativas. E o nível que vem de Tonka mantém-se numa delas, A Consumação do Amor. Nesta, Musil toca novamente no tema do adultério, conseguindo ser tão penetrante como poucos. A grande literatura faz-se disto, de escrever sobre o que qualquer um poderia escrever mas fazendo-o como mais ninguém faria. O que se vai passando na mente de Claudine, arrepia, faz impressão, mexe connosco, leva-nos a julgá-la, provavelmente, com severidade. Mas Musil faz muito mais, torna-se de tal forma ela, no seu relato, que consegue expressar e transmitir sensações e ideias que não é normal conseguir encontrar assim, em palavras. E, por isso, a escrita de Musil me fascina tanto. Não é só em termos estéticos que ela é genial, é também na capacidade de exprimir o indizível.
 
J.M. Coetzee tem um texto sobre Musil, e sobre estas novelas, pode ser lido aqui: http://www.xs4all.nl/~jikje/Essay/coetzee.html
 
 
 
Obrigado, R, pelo Torless. Sem ti, talvez nunca tivesse descoberto Musil ;)

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Infelizmente, só há muito pouco tempo ouvi falar de Musil. Talvez um pouco antes de ter saído o primeiro volume de O Homem Sem Qualidades. Nesse, terei que dar uma olhadela, para perceber se, para já, o vou ler ou não. Uma boa forma de entrar no universo musiliano é começar por este seu primeiro romance que, por acaso, até é relativamente breve.

 Musil tem uma escrita sólida e dura, com escolhas de palavras que provocam um efeito forte no leitor. Os acontecimentos vão sendo revelados a um ritmo quase cirúrgico, num encadeamento que causa estranheza e apreensão, como não me lembro de sentir desde Kafka.

 A forma como Musil penetra nos pensamentos dos seus personagens aparece como quase indecente. Ao mesmo tempo, parece ser este, um romance à procura das palavras. Há muito de indizível, de inexplicável, de desconhecido. Se o jovem Torless parece ter medo dos seus pensamentos, daquilo que realmente sente, também Musil parece rodear todas as hipóteses, passar por várias palavras até, finalmente, atingir conclusões que, mesmo assim, mostram mas não explicam.

 O jovem Torless aparece como uma figura solitária na teia dos seus pensamentos, pouco preso às acções mas inextrincavelmente comprometido com as suas reflexões. No entanto, muitas vezes, deixa-as para depois. Abandona-se a atitudes que só são suas porque ainda não teve a coragem de as renegar. Mas renegá-las é trair-se. De contradição em contradição, de pausa em pausa, Torless vai-se descobrindo naquilo que vê os outros serem e ele não quer ser. Kant, a matemática, os livros, tudo são pretextos para Torless descobrir que há um rumo distante, um ponto para onde poderão convergir todos os seus múltiplos desvarios. Mas mantém-se à distância, porque não sabe lá chegar, ou não quer lá chegar. A mestria de Musil atinge pontos quase insuportáveis nesta busca desesperada, não se sabe de quê. Ou então, se calhar, sabe-se sempre, porque a verdade, ou a profundidade das coisas é como um olhar: “(…) é verdade que se pode conhecer muito melhor uma pessoa pelo olhar do que pelas palavras…”. E, por tudo isto, o livro de Musil é um olhar, é a descrição de impressões, de confusões e de quimeras. A violência e a doçura contrariada fundem-se numa exploração detalhada, demasiado detalhada e insistente nos seus contornos mais cruéis. Porém, evita-se o confronto com o concreto, nada se explica, o indizível torna-se a forma de expressão de Musil, assumidamente umas vezes, num sussurro noutras.

 De página em página, caminhamos para um poço que penetra fundo não se sabe bem onde mas com a certeza que o caminho para dali sair, se existe, está ao alcance de poucos. Não cabe ao autor dar respostas, cabe ao leitor encontrar o que quiser, ou puder: “Sei que as coisas são as coisas e assim será sempre, e que eu as verei sempre, ora de uma maneira, ora de outra. Ora com os olhos da razão, ora com os outros… E nunca mais tentarei comparar as duas coisas…”.
 

P.S. Acredito que O Homem Sem Qualidades seja um dos expoentes máximos da literatura, e isso tudo... Mas não haverá nada a dizer sobre este Torless? João Barrento faz uma interessantíssima introdução, em que fala de Musil e d'O Homem Sem Qualidades, justificando até a tradução do título. Uma introdução que serve para falar de tudo menos do livro que se vai ler, e é pena.

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