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Acabei há pouco de ler O Teu Rosto Será o Último e estou profundamente impressionado. Acho mesmo que, na literatura portuguesa, não me sentia assim desde que li esse fenomenal livro que é O que diz Molero.

Primeiro, a forma e o estilo são invulgares, até um pouco incomodativos nas primeiras páginas. Parece insegurança, confunde-se uma maneira diferente de colocar as palavras e as ideias, com hesitação. Mas com o avançar das páginas percebe-se que não. Percebe-se que tudo ali foi medido, ponderado, que houve uma procura que resultou num equilíbrio notável num texto que é, em muitos aspetos, desconcertante em termos formais. Ora as vírgulas abundam, ora as frases são tão curtas que nem há espaço para uma. Ora há repetições de nomes ou de atributos dos personagens, ora há a ausência de indicação de quem é quem. Tudo, repito, meticulosamente escolhido e posto no seu lugar próprio.

A história, essa, passa, durante algum tempo, para segundo plano. Parece que é mais interessante experimentar ler um texto escrito assim do que saber o que ele está a dizer. Mas depois também isso muda. Os capítulos que parecem fragmentos, quase contos, começam a ter linhas entre eles. Começamos a descortinar quem são os protagonistas, as relações que há nas três gerações da família que ocupa o centro do romance. Tudo se vai tornando mais interessante. E talvez seja aí, quando estamos prontos, imersos no livro, já em velocidade de cruzeiro na leitura, que João Ricardo Pedro resolve fazer com que o seu livro voe mais alto do que tantos outros. O capítulo que muito se tem falado - A mãe e o fim da União Soviética - das frases curtas é, efetivamente, notável. Aquilo que ali está parece tão básico, tão simples e é, afinal, tão difícil. Trata-se de escrever de forma aparentemente alucinada e descontrolada quando, mais uma vez, tudo aquilo é equilíbio e contenção.  E é musicalidade, o que num livro que tanto fala de música, só pode ficar bem. Mas o melhor é que este não é o melhor capítulo do livro, é apenas notável, há melhor, há muito melhor, há esse capítulo que, se fosse um conto, faria calar muitos livros completos, é o momento sublime - o professor de piano e a pintora misteriosa - que é, para mim, o centro deste livro, o seu coração e o seu cérebro. Tudo para ali converge, de alguma forma. E, porém, podia ler-se sem ler o resto do livro e, acredito, seria, mesmo assim, compensador.

Mas não há livros perfeitos e este livro é demasiado concreto, e demasiado bom, para querer ser algo diferente disso mesmo - um livro. E é um livro onde há soluções engenhosas em grande parte dos casos mas há também o recurso fácil e abusivo a palavrões. Aqui e ali justificam-se mas, na maior parte dos casos, parecem uma solução preguiçosa para sublinhar. E de um autor que mostra uma capacidade tão grande de surpreender na escolha das suas soluções, surpreende esta escolha fácil e empobrecedora do texto.

Por outro lado, fiquei com a sensação de que há demasiadas coisas que ficam por dizer ou explicar, que o tamanho do livro estava determinado e que nem sempre se deixou fluir convenientemente. Sinto demais a procura do efeito.

Também temo que este estilo seja tão específico que, um segundo livro escrito assim, possa parecer-se demasiado com este.

E, sinceramente, não sei como concluir isto, talvez sendo simples: que grande livro!

 

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