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 Pode-se gostar, e muito, de uma obra que se considera estar cheia de defeitos, e alguns deles bem graves?

 

Bom, sempre achei que sim, mas nunca de forma tão radical. Quase me sinto bipolar mas tenho que confessar que, pelo menos um destes, é capaz de ser o pior livro de que mais gostei. Não são livros maus, de forma alguma, mas têm defeitos graves que me deviam ter feito gostar pouco. Mas a verdade é que não me lembro de quando foi a última vez que li dois livros no mesmo dia. Aconteceu agora. Depois de, há uns dias, ter lido o primeiro volume, fui à biblioteca, trouxe os outros dois, e li-os sem parar. O que quer dizer que evidentemente gostei muito de os ler.

O meu interesse por estes livros resulta de Frederico Lourenço ser “só” o tradutor da Ilíada e da Odisseia, as únicas traduções em verso que temos em português (de Portugal, pelo menos). Mas, para além disso, já li vários ensaios seus sobre a cultura clássica e são fabulosos (o livro Grécia Revisitada, por exemplo. E já tenho reservado, na biblioteca o Novos Ensaios Helénicos e Alemães). Posto isto, como seria um livro de ficção escrito por tão notável autor?

 Primeiro esta trilogia saíu em três livros e por esta ordem: Pode um Desejo Imenso - O Curso das Estrelas - À Beira do Mundo. Anos mais tarde, saíram todos num mesmo volume, passando a obra a chamar-se apenas Pode um Desejo Imenso. Nesse volume, a ordem é cronológica. Portanto, primeiro O Curso das Estrelas, depois Pode um Desejo imenso e, finalmente, À Beira do Mundo.

Uma vez que li a versão dos três livros em separado, é dessa experiência que falarei:

 

Pode um Desejo Imenso

Este título, lindíssimo, vem de Camões que, aliás, está presente por todo o livro. A história passa-se no mundo académico - nunca tinha encontrado um livro português que se passasse nesse contexto, tão comum em autores ingleses e americanos. Nele conhecemos o professor Nuno Galvão, um apaixnonado por Camões que vai mostrando o quanto sabe enquanto serve de personagem a uma história de professor que se apaixona pelo aluno lindo de morrer (tipo Adriano e Antinoo, estão a ver…).

Não é um livro completamente acessível. Tem um nível de erudição que chega a tornar difícil acompanhá-lo. Não pela linguagem, mas pelo excessivo academismo de algumas passagens. Nada que prejudique a leitura do romance propriamente dito, mas parece-me que Frederico Lourenço não se assumiu completamente como autor de ficcção, não abandonou a camada de académico e forçou essa componente em demasia. Acho de todo o interesse aquilo que escreve sobre Camões no livro, mas não acho que contribua para o livro de forma inteiramente positiva. Ou é romance ou é ensaio literário. Ou então o autor consegue-se juntar os dois de forma sólida. Não me parece que seja o caso. O problema está, aliás, naquilo que me parece uma certa indecisão entre uma linguagem simples ou mais cuidada. Os próprios personagens parecem pessoas normais nuns diálogos, enquanto que noutros parecem professores a discursar.

 

O Curso das Estrelas

Mais um belo título para o livro em que o escritor de ficção se começa realmente a assumir. Este segundo volume volta atrás na história. Aqui conhececemos Nuno Galvão antes de ele ser professor, sabemos da sua relação com Helena (e como terminou) e com Vicente.

A história agarra-nos e há pouco que nos distraia. A leitura torna-se voraz porque a história tem um ritmo rápido e intenso. Já não há grandes pedantismos de linguagem e o nível geral parece mais homógeneo. Fosse o primeiro livro escrito assim e parece-me que o resultado final do conjunto teria a ganhar.

Mas, a certa altura, o autor dá aquilo que me parece ser uma terrível facada nas costas do leitor. Vou explicar mas, antes disso, avisar que aquilo que vou dizer a seguir estraga completamente a experiência de leitura destes livros. Por isso, para quem não leu e pense em fazê-lo, apelo para que não leia as linhas seguintes - podem saltar para o próximo parágrafo. O que acontece e me deixou chocado é que numa passagem relativamente irrelevante lê-se que Nuno nunca tinha passado pela experiência da morte de alguém querido, só mais tarde, a morte da mãe e a morte de Filipe, o seriam. É este o problema. Neste momento, quem está a ler esta história não sabe ainda o que aconteceu a Filipe. E provavelmente, como eu, está a ler avidamente para voltar a saber dele, o que é que ele tinha, o que lhe aconteceu. O primeiro livro termina precisamente deixando-nos suspensos apensas sabendo que Filipe está doente e nem sabemos o que tem. Por isso, ficar a saber, nesta altura, que Filipe vai morrer (ainda por cima, só vamos mesmo sabê-lo na última página do último volume) é uma absoluta desilusão. Não consigo compreender esta opção. Há coisas erradas nesta trilogia, há várias opções estranhas, mas esta é, para mim, a que mais impacto negativo tem. Como se a meio de um filme me viessem dizer "ele morre no fim" só mesmo para me estragarem a experiência de continuar a viver aquela história sem saber o que vai acontecer a seguir. Não sei se o mesmo acontece na versão em que os 3 livros aparecem juntos. Se assim for, fica-se a saber disto ainda antes de Filipe aparecer na história… 

 

À Beira do Mundo

Este é o livro mais maduro, mais bonito, mais empolgante e mais interessante dos três. Aqui a ficção torna-se realmente dona e senhora da história. Há cruzamentos e coincidências, pequenos nadas que se tornam significativos, subtilezas nas ações de uns e outros, que o tornam um romance num sentido mais completo. Acho que é o único livro que pode ser considerado, de facto, de forma isolada (os outros, lidos separadamente, não se aguentam). Há mesmo um cuidado especial no início e fecho da história que é quase cinematográfico, no bom sentido.


Um último comentário sobre a edição posterior dos 3 livros num só. O autor incluíu uma parte final em que fala um pouco da sua trilogia, em forma de visita guiada. Lá ficam explicadas muitas referências e muitas opções de estilo (mostra-nos até que pensou em escrever primeiro em inglês). Na minha opinião, continuam a ser más opções para ficção.

 

Mas tudo isto interessa muito pouco quando um livro nos agarra como estes me agarraram.

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