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É curioso rever os meus escritos e não encontrar nenhuma referência a José Saramago. Especialmente porque se for ver as minhas leituras, encontro Saramago em cerca de 30 livros, sendo que, alguns deles, já os li mais do que uma vez. Se pensar mais um pouco, nos livros que ofereci, nas minhas referências máximas, nos livros que mais me influenciaram, está sempre Saramago.

Lembro-me de, em 1998, assistir à atribuição do Nobel a Saramago como se fosse a alguém da minha família. Nessa altura, já tinha lido praticamente todos os livros e, portanto, posso considerar-me insuspeito de apenas o ter descoberto por causa do prémio.

Mas serve este texto para comentar o último (talvez em absoluto) livro, A Viagem do Elefante. Trata este da história de Salomão, um elefante que o Rei D. João III resolveu oferecer ao arquiduque de Viena. Por esse motivo, o elefante tem que ser levado de Lisboa para Viena, numa enorme viagem a pé e de barco.

Não há muita coisa que aconteça neste livro. Esta é a história e apenas isto se conta, acrescentando um ou outro tema, dos caros a Saramago, como o episódio em que um padre pretende que o elefante se ajoelhe à frente de uma igreja, para poder assim afirmar que houve um milagre e obter vantagem para a igreja católica numa altura em que as teses luteranas alastravam pela Europa.

Neste livro, Saramago assume-se plenamente como narrador/autor, fazendo deste, porventura, o personagem principal da história. Embora não haja aqui nada de propriamente novo, uma vez que o narrador saramaguiano tem, normalmente, uma força muito própria nas suas histórias, falando abundantemente com o leitor, ou com as personagens (caso paradigmático é O Homem Duplicado), o que se nota é que há uma espécie de libertação. O autor assume-se como o criador, o fingidor, o todo poderoso que pode fazer o que quiser mas que mantém a dignidade que merece quem acompanha a história. Por exemplo, perante o cenário grandioso das montanhas, não há descrição e o narrador assume, precisamente, que não consegue fazê-lo.

A Viagem do Elefante, mais um conto do que um romance, como afirma o próprio autor, é um livro divertido, temperado com o habitual humor fino de Saramago e que transporta o leitor para uma história onde, apenas a espaços, há matéria para reflexões profundas. Ora, isto é bem diferente daquilo a que Saramago nos tem habituado, especialmente nos últimos romances, os da era do “e se”, em que algo inesperado e inexplicável acontece. Muitos autores já escreveram páginas e páginas sobre o porquê de algo acontecer. Saramago, escreve sobre as consequências do que acontece, mesmo quando o que acontece é impossível. Só que a impossibilidade não leva a menor verosimilhança nas consequências, e é essa análise lúcida a partir de pressupostos metafóricos que tornam a obra de Saramago tão incomum no seu poder de universalização de pequenas histórias. Lembro isto como reacção à forma como tem sido recebido este livro, o melhor do autor desde Memorial do Convento, diz-se. Na minha opinião, de leitor compulsivo, quase obcecado, de Saramago este é o único livro do autor que não tem interesse profundo, isto é, constitui uma pequena página na obra do autor, uma página tão bela como tantas outras, um exercício um pouco diferente até, pela linguagem, a utilização de palavras raras hoje em dia. É um intenso prazer ler este português que alia a modernidade onomatopaica com um certo arcaísmo. Mas é isso, um livro que dá um enorme prazer ao ler-se, sem nos projectar para algo (muito) mais, o que é típico das obras de Saramago.

Este será um livro fácil para a maior parte das pessoas. Para um leitor habitual de Saramago, creio que funciona como uma espécie de rebuçado, Vamos lá apreciar um pouco esta escrita, sem, desta vez, termos que nos cansar com as preocupações a que sempre o autor nos leva.  

E isto sabe muito bem.

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