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Ter Opinião

15.01.14

Como se fosse preciso prová-lo, há um caso que mostra, de forma particularmente acutilante, o quanto as minhas leituras andam atrasadas. A Revista XXI - Ter Opinião, mais uma das excelentes iniciativas da Fundação Francisco Manuel dos Santos acabou de editar o seu 3º número. E sabem quantas eu já li? Pois… nenhuma. Comprei todas, folheei-as como se fossem uma qualquer Caras e deixei-as na lista de leituras. Agora, ao comprar a 3ª, lá me resolvi a ler, de uma ponta à outra, a do ano passado, dedicada ao tema da liberdade.

 

O que é realmente interessante nesta revista é o facto de ela ser, e isso está no próprio título, um instrumento para se formar opinião. E os textos confirmam essa intenção. Há os que são contraditórios entre si, há os que são demasiado técnicos e áridos, há os bem escritos, há os assim assim. Há de tudo e de qualidade. O suficiente para dar por mim a ler uma revista como quem lê um livro - com marcador de páginas e tudo.

 

Pronto, agora é deixar de ser parvo e pegar nos outros 2 números com urgência.

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Sempre me senti curioso em relação a André Gide. Li-o há muito tempo mas acabei por nunca sentir uma grande ligação. Mesmo assim, mantenho dois ou três livros dele na estante. Ontem, finalmente resolvi voltar a ele com este A Porta Estreita. Trata-se de uma pequena novela, a lembrar as histórias de amor românticas em que os pares se apaixonam muito mas depois há obstáculos que vão surgindo pelo caminho e a união pode nunca se concretizar. Lembra isso, mas é muito mais. A última página deste livro é uma das mais belas que li nos últimos tempos, uma daquelas que fazem com que se olhe para o resto do livro de outra maneira. Há qualquer coisa de impressionante aqui, embora não pareça muito mais do que uma história banal, e com personagens que mais parecem meninos mimados do que adultos sérios. Há a religião, há as circunstâncias familiares, há muito para analisar. É um pequeno livro mas que faz pensar muito. Só por isso, merece destaque.

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A minha mãe nasceu em 1922 e morreu em 1994 (…). No ano passado fomos obrigados a mudar a sua sepultura para mais longe da vila para haver espaço para uma linha de comboio. Quando abrimos a sepultura vimos que o caixão tinha apoderecido e que o corpo dela se tinha misturado com a terra à volta. Por isso, retirámos alguma dessa terra, um ato simbólico, e levámo-la para o novo local. Foi então que percebi que a minha mãe se tinha tornado parte da terra e que quando eu falava com a mãe terra, eu estava na verdade a falar com a minha mãe.

(…)

Depois da morte da minha mãe, no meio de uma dor quase paralisante, decidi escrever um romance para ela. Peito Grande, Ancas largas é esse romance.

 

Mo Yan, no discurso de aceitação do Nobel (tradução minha do inglês)

 

Mo Yan é (ou era) um autor praticamente desconhecido em Portugal. Quando ganhou o Nobel, em 2012, não obstante o volume da sua obra e o facto de ser bastante traduzido noutras línguas, foram muitos os que disseram que era um desconhecido, que o Nobel não vale nada, enfim, o costume. Já eu, aproveitei a oportunidade para tentar conhecer um escritor que não conhecia. Neste caso (como com tantos outros vencedores do Nobel), é um privilégio.

 

Peito Grande, Ancas Largas é um livro maravilhoso. Lembra Gabriel Garcia Marquez, mas numa versão mais séria, mais real, mais enriquecedora. Lembra os grandes épicos que atravessam gerações e, acima de tudo, transporta-nos para um tempo e um espaço ao qual não teríamos acesso sem a literatura.

 

Mas é um livro de muita dor e sofrimentos. Situado na China “profunda”, numa família humilde, dificilmente poderia ser de outra forma.

 

O resto deste texto revela pormenores do enredo.

 

Shangguan Lu é a mãe que aparece logo no primeiro capítulo como o pilar central deste romance. Vamos conhecê-la quando está prestes a dar à luz, ou achamos nós que está quase, porque a história vai começando a ziguezaguear e começamos a ter algum enquadramento sobre o que rodeia a aquela mulher, desde o mais macro, como a invasão japonesa, até às micro vicissitudes familiares. Ora, se um nascimento costuma ser um momento de alegria, aqui não é bem assim, aquele nascimento é também um julgamento, uma última oportunidade, afinal Shangguan Lu, foi avisada:

 

Sem um filho homem, não serás mais que uma escrava até ao fim dos teus dias, mas, com um filho homem, será uma senhora. Acredita se quiseres, é lá contigo... Bem, para dizer a verdade, não é só contigo...

 

Pois não, estas coisas não são só com ela. Percebe-se bem o peso das circunstâncias à volta de Shangguan Lu. O seu “crime” foi o de ter tido já 7 filhas, e nem um único rapaz. Ora, isso é algo que não pode ficar impune e é motivo de uma vergonha imensa:

 

(...) as lembranças do que ocorrera três anos antes vinham ao de cima. Acabava de dar à luz a sétima filha (...) o que desencadeara uma raiva tão cega no marido (...) que este lhe bater com um maço em cheio na cabeça, manchando a parede com o seu sangue.

 

Pode pensar-se que a reação do homem é a tradução dessa prepotência masculina que submete a mulher aos caprichos de um sexo que gosta de se dizer mais forte. Mas não é bem assim, o aviso mais contundente não vem propriamente de um homem, vem da própria sogra:

 

-Deves achar que deste mais um grande contributo, não é? Deitas cá para fora putas atrás de putas (...)

 

Mas a vida de Shangguan Lu não foi só de submissão à coação de tipo mais psicológico. O segundo capítulo recua até cerca de 1900, quando ela fica orfã aos 6 meses e vai passar pelo terrível processo de lhe enfaixarem os pés para que estes não cresçam. Curiosamente, conseguimos ver também como as autoridades chinesas tentaram acabar com esse costume. Nada que tenha adiantado a Shangguan Lu.

 

Neste início do livro são a sogra e o marido os dois elementos que mais fazem da vida de Shangguan Lu um inferno, ao qual ela resiste como que vivendo e prosseguindo nas entrelinhas da vontade dos outros. Ironia das ironias, o marido é estéril, nenhuma das filhas foi concebida por ele. Mas isso não paralisou Shangguan Lu. Umas vezes porque quis, outras vezes porque foi violada, noutras ainda sem saber muito bem como, foi tendo filha atrás de filha. A história de cada um destes encontros é uma sequência incrivelmente divertida para um conteúdo tão trágico. Mas, de facto, o humor de Mo Yan encanta e obriga, algumas vezes, a parar de ler para poder rir.

 

O tal filho varão que finalmente nasce perto do início desta história é Jintong. Mas o bebé não vem só, há ainda mais uma menina – a oitava irmã que nasce cega.

 

Jintong é o segundo pilar do livro e assume-se, em quase toda a história como narrador. As suas peculariedades são abundantes, mas há uma que se destaca, aquela que invoca constantemente o próprio título da obra e a que talvez acabe por influenciar mais o seu destino – a obsessão total pelo peito da mãe e pelo seu leite, o que aliás evolui para uma obsessão total por mamas, já nem sequer necessariamente de mulheres de carne e osso:

 

Nessa altura, já eu usurpara por completo o direito da Oitava Irmã a também mamar e, sempre que ela se aproximava de uma das mamas da mãe, arranhava-a e dava-lhe pontapés até a pobre criatura encher de lágrimas os olhos cegos.

 

(...) quando tinha a boca na mama esquerda, só conseguia pensar na direita.

 Desmamar Jintong vai acabar por ser um problema que afetará toda a família.

 

Para me desmamar, a Mãe já tentara untar os mamilos com suco de gengibre cru, alho mído, óleo de peixe malcheiroso, e até com caca de galinha. (...) ela voltara atrás ao ver-me cair redondo no chão, como morto.

 

Não resultou. Jintong mamou para lá de adolescente. Durante algum tempo conseguiram que, em vez da mãe, ou mesmo das irmãs, se consolasse com uma cabra. Mas mesmo mais tarde, esta tara teve consequências.

 

Ao longo da história é a própria China que vai vivendo dificuldades e transformações profundas. A família Shangguan vai ser profundamente afetada, claro. Ao longo dos quase 100 anos desta história tudo lhes acontece: vivem na mais terrível pobreza (até têm que vender algumas das raparigas) ou passam por períodos em que são protegidos e vivem relativamente bem. Os homens que se acercam das irmãs de Jintong, sempre com a oposição da mãe, vão marcar também o rumo da família pelas consequências dos seus atos (há desde um que se vira para o lado dos japoneses até outro que se mantém contrarevolucionário). Em comum parecem ter a capacidade de gerar crianças que, invariavelmente, acabam por ficar ao cuidado da avó. São poucas as que chegam ao fim da história vivas. Não há contemplações aqui, Mo Yan deixa que tudo lhes aconteça, e não se coíbe de nos dar todos os pormenores, mesmo quando algumas das cenas são de matança sem piedade.

 

Ao mesmo tempo, há toques de realismo mágico. A minha primeira reação foi torcer o nariz, confesso que é coisa que nem sempre me agrada. Felizmente, são toques subtis, como uma das irmãs transformar-se em fada, algo que o autor explica muito bem, invocando histórias tradicionais. No fundo, são pormenores, aqui e ali, que embelezam a história.

 

O ritmo do livro é desigual, alternando momentos em que tudo acontece muito rapidamente com outros, em que assistimos detalhadamente ao desenrolar das histórias. Nada que afete negativamente o livro, mas percebe-se que esta não é a versão que Mo Yan escreveu, mas sim uma versão resumida (o tradutor da versão inglesa, no prefácio, explica isto).

 

Mo Yan disse que poderiam ignorar todos os seus livros, menos este. Mas depois de ver esta capacidade de criar um universo que é triste, melancólico, enternecedor, horrível, violento e, também, profundamente divertido, como posso eu não querer conhecer os outros?

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Ouvi falar de Susan Cain pela primeira vez quando a vi nas Ted Talks. O tema e a apresentação dela deixaram-me curioso e, agora, finalmente li o livro.

Gosto muito de livros que passam pela psicologia mas de uma forma bastante prática. É o caso deste.  Susan Cain interessou-se pelo tema da diferença entre introvertidos e extrovertidos e como é a vida dos primeiros num mundo que parece cada vez mais organizado em função dos segundos.

Em vez de estar aqui a escrever sobre o livro, o melhor que posso fazer é deixar a autora fazê-lo. Aqui fica a Ted Talk:

 

 

Já agora, para quem não conheça, há de tudo nestas Ted Talks, e quase sempre são imensamente interessantes. A primeira que conheci foi esta, e ainda hoje não encontrei nenhuma mais fascinante:

 

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O conceito deste livro é intrigante e deixou-me cheio de curiosidade -  um homem que tenta reconquistar a ex-mulher fazendo-se passar por outra pessoa. E não, não é na net, é fisicamente, mesmo. Quando lhe peguei fiquei fascinado com a primeira página, esse momento em que o homem se vê a si próprio (literalmente) a entrar no quarto onde a mulher está com o amante. A partir daí, o livro é também uma viagem por Barcelona e pelo catalão enquanto língua e enquanto forma de estar.

Parece-me que é demasiado breve e que esta história merecia mais. Pelo menos, fiquei com a vontade de ler mais. Talvez porque senti que depois do início fulgurante alguma coisa se perdeu e avancei à procura dela. Encontrei-a mais para o fim, no entanto, logo a seguir, o livro acabou.

Algo me diz que devo procurar mais noutros livros do autor.

 

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