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imagine-se uma mulher a dar um sermão. ela está realmente zangada e vai invectivando os seus alunos. mostra-lhes que o mundo está cheio de podres, de coisas feias, de desencanto.
ela é rígida, cruel e, quase demoníaca.
ela não pára, continua o discurso e vai aterrorizando quem a ouve. o pior é que ela tem razão em muito do que diz. ela pode ser exagerada mas tem razão.
ela entra dentro das pessoas (das personagens) e extrai delas o inconfessável, aquilo que muita gente não tem coragem de algum dia admitir, nem só e intimamente, que pensou, ou que sentiu.
e ela é implacável a demonstrar, a denunciar, a dizer, ou melhor, a escrever.
ela é elfriede jelinek. o livro chama-se AS AMANTES e eu estou a escrever este texto ao estilo dela (não com o conteúdo dela, não com a capacidade dela – apenas uma brincadeira formal) porque esta é uma escrita à qual não é possível ficar indiferente.
jelinek eleva-se. jelinek revolta-se e escreve tudo. jelinek pega em duas mulheres, paula e brigitte, assim, sem direito a maiúsculas, e conta as suas vidas, por dentro, esventrando-as e deixando-as a nu, não nos corpos mas nas mentes.
as histórias correm em paralelo, com uma linguagem bruta, enraivecida, sem medo, sem concessões, mas com música, aqui e ali.
impressiona ser agredido assim, como a levar um murro no estômago a cada página que se vai passando. claro que cansa, também cansa. jelinek anda sempre às voltas. jelinek pisa e repisa o mesmo sentimento, a mesma situação. a história confunde-se com o nada, transforma-se num turbilhão.
apetece pedir para parar. mas jelinek prossegue implacável. ela denuncia a condição das mulheres, presas às convenções, a terem que casar, a terem que ser servas na sua própria casa. jelinek compara a condição das mulheres com a dos homens, mostra como estes fazem o que querem, ou mais ou menos. eles, ou são maus ou não prestam. elas, ou não são grande coisa ou são vítimas.
ou então não há nada.
porque não pode haver nada no meio de tanta merda.

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Ao princípio, há o deserto, ruínas de uma cidade que se cobrem de areia. O vento sopra e a memória de que os homens ali estiveram um dia, desvanece-se lentamente. Depois, começamos a conhecer as personagens desta história. Cada um deles com algo de particular. Apesar de serem arquétipos - do padre, do soldado, do cozinheiro, do conspirador, do presidente de câmara, da puta - não deixam de ter um ou outro traço que os individualizam.

 

Karnesis constrói um romance, perto do romance histórico, onde o que interessa são as pessoas e os seus pequenos detalhes. É verdade que lá está todo um contexto histórico para apreciar. Porém, é sobre aquilo que cada um é nesse contexto que este romance se detém, ao que dá mais atenção. Curiosamente, no final como no princípio, parece que pouco resta, afinal, das marcas que o homem vai deixando onde passa.

 

A acção ocorre na Anatólia, em 1922, quando uma brigada do exército grego foge dos otomanos. Logo no início do livro, há uma pequena nota histórica que faz o enquadramento. Este é, na minha opinião, um ponto positivo, sendo que o leitor pode usufruir melhor da história a partir do momento que sabe um pouco do seu contexto. É, aliás, lamentável que se descure esse aspecto em grande parte dos livros que se aproximam do género.

 

Karnezis é, definitivamente, um escritor a acompanhar. Quer pela qualidade da escrita, quer pela capacidade de criar personagens invulgares mas não menos verosímeis. Para além disso, está presente, ao longo de todo o texto, um humor fino e muito subtil mas capaz de provocar intensas gargalhadas.

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Se David Fincher pegou neste conto para fazer um filme, eu quero vê-lo. E, existindo o livro, eu quero lê-lo. O realizador é dos meus preferidos; o escritor é um dos que não leio desde a minha adolescência, por isso, foi uma boa oportunidade.
Parece-me que há neste conto um defeito incontornáve, que é, precisamente, o de ser um conto. Se alguém nasce já velho e “decresce” em vez de crescer, isto pode constituir um fascinante ponto de partida para uma história. Muito provavelmente, poderia resultar num extenso e fantástico romance. Mas Fitzgerald fica-se pelo conto, que não é mau. O domínio da narrativa é exemplar e consegue fascinar o leitor. No entanto, há um peso enorme que fica desta leitura – o tanto que ficou por dizer e contar. Na verdade, acaba por ser mais importante o que não acontece nesta história do que aquilo que acontece. É inevitável que a imaginação de quem lê se vá perdendo em tanta coisa que poderia acontecer a Benjamim no seu “decrescimento”. É inevitável ficar-se com a sensação de que é muito pouco para tanto potencial.
A ver o que Fincher fez em filme...

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Por vezes, acontece isto: entusiasmo-me com um livro, devoro-o com avidez durante algum tempo e, a certa altura, tudo começa a mudar, o entusiasmo dá lugar ao cansaço e o livro passa a ser uma experiência frustrante.
 
Durante umas 150 páginas assisti, fascinado, à incursão do diabo por Moscovo. Bulgakov faz um retrato extraordinário dos vícios e defeitos da sociedade moscovita, parecendo o diabo um justiceiro, tal é a falta de virtude daquelas pessoas.
 
Para além disso, há a história de amor de Margarita. No entanto, quando a ela se chega, a fantasia já foi tanta que o interesse que o livro tinha se perdeu. O fantástico, quando servido em doses generosas, como é o caso, torna-se, para mim, profundamente aborrecido. E, neste livro, há bruxas que voam nuas em vassouras, sobre Moscovo. Há gatos que falam, há pessoas que são “teletransportadas”, há dinheiro que aparece e desaparece. Tudo isto muito divertido, tudo isto bem escrito. Infelizmente, não é para mim.
 
É verdade que este livro tem tudo para ser considerado um clássico, e é-o. A sua profunda originalidade e mestria na construção dão-lhe direito a esse estatuto, que eu não contesto. A nível pessoal, foi uma leitura fascinante até me parecer que se torna demasiado exagerado e perde a subtileza dos primeiros capítulos.

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A certa altura, neste livro, pode ler-se que as pontes existem por causa do diabo. Ao que parece, este, para fazer mal aos homens, rasgou a terra com as suas unhas, criando assim os sulcos onde os rios separaram os homens uns dos outros. No entanto, os anjos resolveram o problema, unindo as margens separadas com as suas asas, criando, assim, as pontes.
 
Já Ivo Andric transformou uma ponte de pedra num monte de palavras e juntou-as construindo um livro admirável. Já o disse, a propósito do Templo Dourado de Mishima: gosto de quem se fascina com lugares ou, neste caso, com uma ponte. De certa forma, foi isso que aconteceu ao autor e que o levou a escrever, não a história de uma ponte, mas também a história de uma ponte.
 
Este livro, ao mesmo tempo que se torna inclassificável, cabe em diversas categorias, desde o romance aos contos, passando pelo romance histórico ou pelo manual de história.
 
No início, assistimos a uma descrição impressionante da ponte, como se estivéssemos a visitar alguém que, primeiro que tudo, nos mostra a casa. A partir daí, parte-se para a história, uma história sobre a construção de uma ponte, primeiro, e de tudo o que por ela (se) vai passando, por outro. Assim, conhecemos, ainda no século XVI, o menino que sonhou com a sua construção e que mais tarde a mandaria erguer. A partir daí, os capítulos vão dando saltos no tempo, mostrando os principais acontecimentos onde a ponte foi uma espécie de protagonista. Pelo menos, pode-se pensar que, sem a ponte, muito do que aconteceu naquela cidade, Visegrado, não teria passado por lá, ou talvez passasse mas mais tarde.
 
E como qualquer habitante da cidade, em cada uma das épocas retratadas, vamos ficando a saber das coisas como se elas acontecessem naturalmente. Ou seja, Andric não nos dá claramente o contexto, em vez disso, faz-nos vivê-lo. Se, de repente, soldados começam a chegar à cidade, podemos perceber que algo está acontecer. O próprio domínio do Império Austríaco surpreende os habitantes de Visegrado, ao aparecer divulgado em Edital.
 
Mais perto da Grande Guerra, quando já há estudantes que saem da cidade e lá voltam, passamos a ter essa outra fonte de informação. Em inflamados debates na ponte sobre o Drina, os jovens discutem as ideias, os desafios e os limites do tempo que estão a viver. E quem lê, consegue ver tudo a nascer, como se tivesse, também, lugar reservado na ponte.
 
A grande literatura pode ser incrivelmente simples na linguagem. Andric é um grande, um enorme, narrador, não precisa de virtuosismo, apenas de contar histórias. É isso que faz. Há espaço para actos de heroísmo e de cobardia, episódios cómicos e tristes, histórias de amor e de sofrimento. Tal como o Drina corre sob a ponte, transportando sempre algo diferente, também nas páginas de Andric há sempre mais para conhecer.
 
Uma última palavra para um aspecto curioso: quase todos os capítulos terminam de uma forma tão épica, tão intensa que se diria que o livro terminaria ali. A parte boa é que, para além daquilo, há mais.
 
 
P.S. A capa do livro é lindíssima, no entanto, não concebo como pode este livro ser lido sem se ver uma fotografia da verdadeira ponte. É uma pena que ela não esteja em lugar nenhum, nesta edição.

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