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(leitura não aconselhável a quem não leu o livro)
 
A sensação que tive, durante algum tempo, bastantes páginas depois de ter começado esta estrada, foi a de estar a ver um daqueles filmes, tipo Gerry de Gus Van Sant, onde nada acontece, onde a câmara se limita a acompanhar os personagens na sua errância. E isto é dizer também que os meus olhos se sentiam como uma dessas câmaras, eu observava, via-os a andar de um lado para o outro, conseguia aperceber-me dos pormenores, das conversas. Faltava algo, algo a acontecer. De que se tratava? O que era este livro? Havia um homem e uma criança, pai e filho e, aparentemente, mais nada. As descrições dos locais por onde iam passando eram de pós-catástrofe, como se tivesse havido uma explosão que tudo tivesse queimado. Mas a escrita, essa, era extraordinária. E, por isso, como se estivesse a ver um filme, continuei.
 
Agora, já depois do fim da estrada, não posso dizer que sei muito mais do que antes. Houve algum tipo de catástrofe que destruiu tudo, há alguns sobreviventes e, entre eles, estes dois, o pai e o filho, sobre os quais se centra e concentra a narrativa.
 
Imagine-se então um mundo neste cenário. Tudo destruído, como se o planeta tivesse perdido quase todas as formas de vida, mesmo a vida vegetal ardeu ou está coberta de cinza. Neste contexto, em que o homem tem extrema dificuldade em encontrar alimento, é preciso ter cuidado com os outros homens, não há amizades, não há solidariedade, há apenas competição. Lembrei-me várias vezes do Ensaio sobre a Cegueira, na parte em que os cegos voltam à rua.
 
Ao longo da estrada, do caminho que percorrem em busca do mar, os dois protagonistas vão encontrando algumas outras pessoas. Com umas há interacções relativamente positivas, com outras há a fuga e o medo. Os dilemas que se vão colocando são intensos e perturbadores, os de sempre, quando o homem é deixado num estado de selvajaria. Em oposição à crueza e crueldade dos homens que se vêem como estranhos, há a relação entre o pai e o filho, mostrada através dos gestos, dos diálogos, do que fica por dizer, que se afirma como a única réstia de humanidade. Mesmo assim, capaz de provocar a destruição, quando colide com a existência de outros, fora dessa esfera.
 
McCarthy tem um estilo bastante contundente e muito visual, detalhadamente visual. Parece que há um investimento em recursos estilísticos que é bastante intenso no início do livro mas que vai abrandando com o desenvolvimento da narrativa.
 
A nota negativa é, para mim, o final. Num contexto em que é tão difícil chegar ao contacto com outros homens, onde é mais provável que nos queiram matar do que saudar, o rapaz da história, ao perder o pai, encontra de imediato alguém com quem ficar. Apesar de o diálogo entre ambos manter o interessante nível do resto do livro, a situação não pode deixar de parecer um pouco forçada. A verosimilhança perde-se mas, de qualquer forma, o objecto desta obra nunca foi falar do verosímil, centra-se mais no inevitável perigo que há quando os suportes sociais dos homens se desintegram mas estes continuam a viver. O homem como animal, pode ser a pior das bestas.

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